A apropriação do jogo da política burguesa por parte do Estado, tanto à direita quanto à esquerda, chegou a limites explosivos em diversas partes do mundo e especialmente no Chile, onde o principal laboratório do neoliberalismo, tocado pelos governos da Concertação (Coalizão de Partidos pela Democracia, pacto social de 1990, após a ditadura de 17 anos de Pinochet, quem continuou como senador vitalício) tornaram a sobrevivência do modelo o último degrau antes do abismo definitivo, como está sendo demostrado nas ruas há mais de quatro meses, desde a explosão social de 18 de outubro do ano anterior. Menos a classe privilegiada dos bairros altos de Santiago, o resto da população pobre e da classe media empobrecida comparece às ruas regularmente para protestar contra um governo que se declarou em guerra interna diante dos clamores da resistência popular à repressão dos Carabineros já desde o segundo dia dos conflitos.
Numa cidade cujas paredes amanhecem a cada dia com novas pichações e grafites artísticos denunciando a situação social catastrófica que já leva 30 anos (o levante começou após protestas de estudantes pelo aumento do metrô, “não são 30 centavos, são 30 anos”) há um que se destaca e domina a paisagem da cidade aos pés dos Andes: ACAB, acrônimo da expressão inglesa all cops are bastards, todos os policiais são bastardos.
Quando o presidente (que conta com 6% de aprovação) decretou o estado de emergência, os militares foram chamados, o que causou uma forte impressão num país que sofreu um dos piores e mais sangrentos golpes de estado (1973) com o bombardeio de La Moneda. Porém, os tanques saíram rapidamente de cena, permanecendo o controle da comoção social sob as balas, o gás lacrimogêneo e a crueldade dos Carabineros de Chile, corporação odiada e enfrentada a peito aberto pela população nas ruas.
Merece um destaque especial nesta resistência do país inteiro ao neoliberalismo e aos seus guardiões fardados, a atuação da denominada primeira linha – que defendem os manifestantes pacíficos -, na sua grande maioria jovens que com pedras, escudos de lata, estilingues e muita coragem, respondem ao terrorismo estatal dos caminhões hidrantes (que também lançam substâncias toxicas) e aos destacamentos policiais que além das balas de borracha também disparam com balas de chumbo.
Mais de 30 mortos, 2.500 presos políticos em prisão preventiva, incalculável numero de feridos e mais de 300 pessoas impactadas no rosto com irreversíveis danos oculares pela certeira ação criminal da polícia mostram claramente que não haverá limites para defender o lucro da exploração neoliberal nesta guerra contra o povo chileno decretada pelo multimilionário Piñera.
por Carlos Pronzato – Cineasta, documentarista e escritor. Sócio do IGHB ([email protected])